Políticas de Ensino de Línguas e Discursos sobre a prática docente na fronteira Brasil-Venezuela: sentidos em disputa

Marcus Vinícius da Silva
Orientadora: Dra. Rosário Gregolin
Programa de Pós-Graduação em Linguística e Língua Portuguesa - Unesp Araraquara


VÍDEO DE APRESENTAÇÃO


Considerações Iniciais
Neste texto, apresento, brevemente, a proposta de pesquisa de doutoramento, iniciada em 2020 na Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – UNESp, campus Araraquara, sob orientação da Profa. Dra. Maria Rosário Valencise Gregolin. Antes de tecer reflexões e discussões oriundas desta pesquisa em (re)construção, gostaria de repensar  o percurso que me foi constituindo nessa posição de sujeito migrante e que consequentemente colaborou para as reflexões materializadas nesta proposta de  investigação[1].

 No ano de 2017, em busca de novas perspectivas profissionais e pessoais, com aprovação no Concurso Público para Docente de Língua Portuguesa e Língua Espanhola da Carreira do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico do Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Roraima, migrei do município de Niterói – RJ, para a cidade de Boa Vista – RR.

  Recém-chegado nesse espaço de enunciação[2] denominado Roraima, observei nas ruas uma forte e complexa imigração fronteiriça, ocasionada, sobretudo, na época, pela crise político-econômica que se instalou na Venezuela, em meados de 2009. Embora com pouca vivência no extremo norte do país, pude perceber a emergência de discursos e representações sobre o que é ser professor de línguas neste contexto de tríplice fronteira – Brasil-Venezuela–Guiana Inglesa, em virtude dos processos imigratórios que assolavam/assolam o estado.

 Portanto, a partir dessa percepção e dessa rede discursiva que se construía em torno dos venezuelanos e em torno do trabalho docente do professor de línguas, comecei a realizar leituras teóricas, com a finalidade de compreender melhor esse espaço de enunciação, bem como essas relações de saber e poder que estavam/estão se constituindo e se consolidando, o que me motivou e contribuiu a tecer reflexões para esta pesquisa de doutoramento. Vejamos, brevemente, na próxima seção essa realidade constitutiva do estado de Roraima.

Considerações sobre a realidade multilíngue e multicultural de constituição do Estado de Roraima

De acordo com Braz (2010), em sua dissertação “Línguas e Identidades em contexto de fronteira Brasil/Venezuela”,  embora o estado de Roraima seja constituído por uma tríplice fronteira geográfica e política, no que concerne ao ensino de línguas estrangeiras, o espanhol sempre representou a língua de prestígio para aprendizagem no estado, porque historicamente o Brasil sempre manteve relações comerciais com a Venezuela, além também de um forte apelo turístico que leva brasileiros para a região da Gran Sabana e para o Caribe venezuelano (BRAZ, 2010, p 10).

Santos (2013) corrobora e complementa me esclarecendo que a imigração nas fronteiras do estado de Roraima tem se intensificado nas últimas décadas, principalmente, pela entrada de imigrantes de outros países da América Latina, com maior incidência de imigração venezuelana, dada a conjuntura socioeconômica que o país vem atravessando nos últimos anos.  

            Cabe mencionar que o espaço de enunciação de Roraima concentra em seu território povos indígenas que falam mais de dez línguas diferentes, pertencentes às famílias linguísticas Caribe, Arwak e Yanomami. As línguas Caribe faladas em Roraima são seis: Macuxi, Taurepang, Ingarikó, Patamona, Waimiri-Atroari e Ye’kwana.  É importante lembrar ainda que além das línguas indígenas, o estado de Roraima também concentra falantes de diferentes línguas estrangeiras, visto que esse espaço de enunciação se constitui na fronteira com os países da Venezuela e da Guiana Inglesa. Vejamos a localização geográfica, para podermos entender melhor a diversidade linguística:



[1] Filio-me, neste momento, a uma perspectiva de pesquisa denominada etnografia linguística, pois parto do princípio que para compreender os sentidos das práticas de linguagem em determinadas instâncias socioculturais é preciso refletir sobre minhas próprias práticas e como elas se inserem nesse contexto de investigação de linguagem. Segundo Rampton et al. (2004), a etnografia linguística está relacionada a pesquisas que partem do princípio de que a linguagem e o mundo social moldam-se um ao outro, assim, os mecanismos e as dinâmicas desses processos podem ser entendidos por meio de uma análise detalhada do uso da linguagem e da construção de significados nas atividades cotidianas.

[2] Refiro-me ao conceito de espaço de enunciação advogado por Guimarães (2002). De acordo com o teórico “os espaços de enunciação são espaços de funcionamento de línguas, que se dividem, redividem, se misturam, desfazem, transformam por uma disputa incessante. São espaços “habitados” por falantes, ou seja, por sujeitos divididos por seus direitos ao dizer e aos modos de dizer. (GUIMARÃES, 2002, p. 18).
  
    Mapa – Localização Geográfica do Estado De Roraima - RR[1]




[1] Mapa disponível em: https://pt.mapsofworld.com/brasil/estados/roraima.html. Acesso em 30 de abril de 2020.

 O estado de Roraima é divido em 15 municípios, sendo a capital Boa Vista.  Por se tratar de uma fronteira, é sabido que nesse espaço de enunciação as dinâmicas linguísticas podem condicionar as atitudes, imaginários e discursos dos sujeitos sobre o funcionamento das diferentes línguas, bem como sobre trabalho docente, especialmente, o trabalho do professor de línguas em um contexto tão diverso linguisticamente e culturalmente como esse no qual ancora esta investigação.


Com essa maior evidência multilíngue presente nas ruas do estado impulsionada, principalmente, pela imigração Venezuela, a Universidade Federal de Roraima – UFRR, juntamente como outras instituições públicas de nível superior, começaram a propor e implementar políticas para o ensino de língua portuguesa como língua estrangeira, com o propósito de tentar amenizar esse aparentemente “caos linguísticos”[1] que se materializou e consolidou nesse estado fronteiriço do extremo norte do país.

         Embora essa ação política para o ensino de língua portuguesa como língua estrangeira tenha sido implementada, no sentido de viabilizar uma  forma de auxílio e ajuda para que os venezuelanos e/ou outros imigrantes possam se adaptar ao Brasil, muitos discursos têm emergido e circulado na sociedade e nas instituições públicas sobre o que é ser professor de línguas em uma configuração de fronteira tríplice, o que acarretou no surgimento de uma cadeia discursiva de enunciados e em uma disputa de sentidos sobre o trabalho docente do professor de línguas, inclusive, com indagações de quais saberes seriam necessários para  um sujeito atuar como professor de língua portuguesa e/ou língua espanhola nesse espaço de enunciação[2].

Perspectivas teóricas que norteiam a pesquisa

Para compreender e problematizar esses discursos que atravessam esta pesquisa de doutoramento, filio-me às reflexões oriundas dos Estudos Discursivos Foucaultianos, tal como postulado por Michel Foucault (2008 [1969]), na Franca, e, reintroduzida, no Brasil, sobretudo, a partir dos trabalhos de Gregolin (1995; 1997, 2003; 2005).

Outrossim, também assumo uma perspectiva de diálogo transdisciplinar, pois a constituição do nosso dispositivo teórico-analítico perpassa por diferentes teorias linguísticas e áreas do conhecimento, tais como: Políticas de Línguas, Estudos Fronteiriços, Estudos sobre o Trabalho Docente, bem como Estudos sobre Língua Portuguesa como Língua Estrangeira, com a finalidade de compreender esse complexo espaço de enunciação que atravessa saberes e dizeres que constituem o que é ser docente de línguas hoje em Roraima.

Sendo assim, o objetivo geral desta tese é compreender as relações de saber e poder que estão na base das estratégias discursivas de criação de políticas para o ensino de língua portuguesa como língua estrangeira adotadas na Universidade Federal de Roraima. Nesse sentido, apresento também os objetivos específicos desta tese que possuem duas naturezas constitutivas de pesquisa. A primeira natureza atravessa questões teórico-metodológicas:

(a)    Investigar a concepção de português como língua estrangeira nos documentos oficias de ensino/aprendizagem e nos documentos de políticas linguísticas;
(b)   Contribuir com o diálogo transdisciplinar teórico entre diferentes áreas dos estudos de linguagem e áreas dos conhecimentos, com as postulações oriundas dos Estudos Discursos Foucaultianos.

 A segunda natureza diz respeito a um caráter analítico:
(c)   mapear essas ações políticas de implementação de ensino de português como língua estrangeira;
(d)   problematizar a emergência de discursos e de efeitos de sentido que vêm circulando socialmente e que produzem um imaginário do que é ser professor de línguas hoje em uma fronteira tríplice – Brasil –Venezuela- Guiana Inglesa;

Para tanto, os problemas de pesquisa dessa tese desenham-se a partir dos seguintes questionamentos/perguntas:

(i)       Quais os dizeres que atravessam a concepção de ensino de língua portuguesa como língua estrangeira nesse espaço institucional e de enunciação?;
(ii)      Quais as estratégias e efeitos discursivos que auxiliam /interferem na construção do trabalho docente do professor de línguas hoje na fronteira Brasil-Venezuela-Guiana Inglesa?;
(iii)         Quais são os saberes e poderes que produzem e interferem na construção desse espaço de enunciação multilíngue?


Minha hipótese de trabalho pressupõe que os processos históricos, de constituição desse espaço de enunciação multilíngue e processos imigratórios na fronteira atravessam os dizeres e os saberes do que é ser professor de línguas em um contexto fronteiriço.

Em relação à metodologia adotada nesta empreitada científica, assumo uma atitude arqueogenealógica, tal como postulada por Foucault (2007), entendendo que o discurso está submetido a uma certa ordem discursiva, pois existe um domínio do que é dito e de como é dito, sendo subordinado aos processos históricos do discurso. De acordo com Foucault (2007), as relações de saber e poder são iminentes a qualquer prática discursiva, pois é por meio dos discursos que os sujeitos utilizam determinadas estratégias discursivas para exercer / submeter-se ao poder.

Considerações Finais

Nesta breve exposição, tive como objetivo explanar a proposta de pesquisa que está em (re)construção, tendo como ponto de partida central a compreensão das relações de saber e poder que estão na base das estratégias discursivas de criação de políticas de ensino de língua portuguesa como língua estrangeira implementadas pela UFRR. Essa implementação de políticas de ensino de línguas ocasionou a emergência de discursos sobre o que é se professor de línguas hoje neste espaço de enunciação multilíngue.

REFERÊNCIAS

BRAZ, Evódia de Souza. Línguas e Identidades em contexto de fronteira Brasil/Venezuela. Dissertação de Mestrado em Linguística. Campinas: Unicamp, 2010.

FOUCAULT, M. A arqueologia do saber. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008 [1969].

___________.A Microfísica do Poder. São Paulo: Graal, 2007.

GUIMARÃES, E. Semântica do Acontecimento. Campinas: Pontes, 2002,

GREGOLIN, M. R. F. V.
. Análise do Discurso: Articulações do Sujeito na História. Série Encontros (Corpo e Voz), Araraquara, SP, v. 15, n.01, p. 11-22, 1997.

____________. Análise do Discurso: Conceitos e Aplicações. ALFA. REVISTA DE LINGUISTICA, v. 39, p. 13-22, 1995

__________. Análise do Discurso: Lugar de Enfrentamentos Teóricos. In: FERNANDES, C. A; 

SANTOS, J. B C. (Orgs). Teorias Lingüísticas: problemáticas Contemporâneas. Uberlândia, EDUFU, 2003, p. 21-34.

__________. Michel Pêcheux e a história epistemológica da Linguística. Estudos da Língua(gem), Vitória da Conquista, BA, v. 01, p. 99-111, 2005

_______. No diagrama da AD brasileira: heterotopias de Michel Foucault. In: Pedro Navarro. (Org.). O discurso. Nos domínios da linguagem e da história. 01ed.São Carlos: Claraluz, 2008, v., p. 23-36.

RAMPTON, Ben; TUSTING, Karin; MAYBIN, Janet; BARWELL, Richard; CREESE, Angela; LYTRA, Vally. UK Linguistic Ethnography: A Discussion Paper, Unpublished, p. 1-24, 2004.

SANTOS, Alessandra Rufino. As representações sociais da fronteira e dos migrantes estrangeiros na mídia impressa roraimense. Boa Vista, UFRR, 2013.




[1] O sentido de palavra “caos” tem comumente circulado no meio social no estado Roraima – RR. No entanto, distancio-me desse sentido, pois, como linguista, acredito que o contato entre línguas é natural da constituição e do funcionamento das línguas nos seus usos sociais e históricos.

[2] A respeito desse discurso e desse imaginário sobre a prática docente do professor de línguas, disponibilizo uma notícia no site institucional da Prefeitura de Boa Vista, onde ela propõe contratar professores venezuelanos para dar aulas de língua espanhola sem esses professores tenham formação específica na Letras/Linguística. Disponível em: <https://www.boavista.rr.gov.br/noticias/2017/08/educacao-prefeitura-vai-contratar-professores-estrangeiros-para-a-rede-municipal-de-ensino:>. Acesso em 16 de abr. de 2020.



Marcus da Silva é doutorando em Linguística, com ênfase em Estudos Discursivos Foucaultianos, no
Programa de Pós-Graduação em Linguística e Língua Portuguesa da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita - UNESP/Araraquara; Mestre em Letras Neolatinas (Estudos Linguísticos) pelo Programa de Pós-graduação em Letras Neolatinas da Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ (2019); Especialista em Leitura e Produção de Textos pela Universidade Federal Fluminense - UFF (2017) e Licenciado em Letras com dupla habilitação (Português- Espanhol) pela mesma Universidade (2016), com período de intercâmbio na Universidad de Salamanca - USAL/Espanha (2014), sendo bolsista do Programa Ibero-americanas do Santander. Atualmente, é Professor Efetivo da Carreira do Magistério do Ensino Básico, Técnico e Tecnológico de Língua Portuguesa e Língua Espanhola do Colégio de Aplicação da Universidade Federal de Roraima - CAp/UFRR. Currículo Lattes. 






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