Livro lançado pelo IPHAN, em projeto desenvolvido pelo GEDAI |
Shiley Penaforte e Ivânia Neves, pesquisadoras do GEDAI e autoras do livro |
O Nascimento de Zahy
Essa história foi a minha avó que me contou há muito tempo... É a história do nascimento de Zahy.
No tempo dos nossos antepassados, Zekwehe Zekwehe, existiu um cacique que foi muito bom para nosso povo. Ele e sua mulher viviam muito tristes, porque não tinham filho. Maíra, então, resolveu ajuda-los. E quando ninguém mais esperava, nasceu Zahy.
Zahy foi criado para ser o próximo cacique, era um menino esperto, alegre e bonito. Ele fazia muitas coisas boas. Mas, infelizmente, o jovem rapaz desejou sua tia. Para os Teneterrara, Zahy não podia ficar com sua tia.
Zahy teimava muito e, à noite, sem que lhe visse, passou a ir deitar com sua tia. Mesmo sem saber quem era, a tia gostou muito daquele homem. Ela não sabia que o homem era Zahy. Todas as noites, os dois passaram a deitar juntos.
A tia preocupada em descobrir quem era aquele homem, conversou com a índia mais velha da aldeia e lhe pediu um conselho. A velha índia teve uma boa ideia e sugeriu à tia que fizesse um unguento de jenipapo para passar no rosto do homem desconhecido.
Sem saber de nada, à noite, Zahy foi deitar de novo com a tia. Mas antes, ela pediu pra esperar, e molhou a mão no jenipapo. Passou várias vezes os dedos molhado de jenipapo no rosto do sobrinho.
De manhã, Zahy foi lavar o rosto, mas a mancha do jenipapo não saiu. Lavou muitas vezes, até que entendeu o que havia acontecido. Zahy olhou seu rosto pintado com muita tristeza. Agora toda a gente saberia que ele dormia com a tia.
Todos ficaram com raiva de Zahy, a velha índia, o cacique, a tia e Maíra também. Por isso, mesmo com muita tristeza, decidiram mandar Zahy sair da terra. O que ele fez era muito grave e deveria ser punido.
Com pena do rapaz, um beija-flor pegou um cipó e saiu voando até o céu. Zahy, muito envergonhado, segurou na ponta e foi embora para o céu e se transformou na lua.
A parte pintada nunca saiu. Ainda hoje, Zahy lava seu rosto. Por isso chove quando a lua nasce.
A história de Zahy é uma narrativa oral que conta a cosmologia dos Tembé-Tenetehara, uma sociedade indígena que vive na interseção entre os estados do Pará e Maranhão. Essa história, dentre muitas das outras vividas por esses povos, permaneceu silenciada e restrita à memória e às práticas cotidianas de suas principais personagens: os Tembé-Tenetehara, mas agora ela rompe as barreiras do apagamento. O livro “Patrimônio Cultural Tembé-Tenehara”, de autoria da professora Ivânia Neves e da fotógrafa, e também professora, Ana Shirley Penaforte Cardoso, busca contar, de forma sensível e participativa as narrativas orais, os práticas e rituais, a cultura material, a participação das mulheres na vida cotidiana e a história política desses povos indígenas. O livro foi lançado na última terça-feira (10), em evento realizado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), no Museu do Estado do Pará (MEP).
Bêwãre Tembé |
Nós esperamos mais de 300 anos de contato para que finalmente tivesse um livro com a nossa cultura e com a nossa história. Estmos aqui neste museu, que foi construído pelos colonizadores, mas este é um momento muito imortante, porque agora este livro e este lançamento vai mostrar para todos a nossa versão da história. América Tembé - Agente de saúde indígena
Segundo a professora Ivânia Neves, o livro é uma oportunidade de mostrar a história contada a partir do ponto de vista de sociedades que são, historicamente, silenciadas. “O livro nos dá a oportunidade de tornar pública a versão da verdade contada por eles mesmos”, explica.
Shirley Penaforte, Améria Tembé, Célia Tembé e Ivânia Neves |
Os Tembé e a tela "A Conquista do Amazonas" |
Lourival e Elias Tembé Reginaldo Tembé |
O evento contou ainda com uma mesa de discussão sobre a produção do livro e sobre a cultura dos Tembé, em que estavam presentes as autoras, além do T.T. Catalão (DPI-IPHAN) e Reginaldo Tembé. Diversas lideranças indígenas participaram da mesa, dando depoimentos sobre a importância da valorização de sua cultura; a relação do povo com o território; e o papel do livro como uma ferramenta para a perpetuação de sua história entre indígenas e não indígenas. Os Tembé-Tenetehara também fizeram uma apresentação com danças e cantos típicos.
João Tembé, América Tembé, Shirley Penforte e TT Catalão |
Para Dorotea Lima, superintende do IPHAN no Pará, a entrega do livro aos Tembé-Tenetehara é um momento muito especial, pois é o primeiro projeto com sociedades indígenas do Instituto no estado do Pará.
Elias Tembé, João Tembé, Dorotea Lima, América Tembé e as autoras |
A equipe do IPHAN Pará se empenhou bastante para que o livro saísse. Segundo a professora Ivânia Neves, o técnico Cyro Lins foi fundamental neste processo: "Ele não mediu esforços para que chegássemos até o final, esteve conosco no lançamento nas aldeias e foi um dos principais responsáveis por esta festa de hoje. Quando Sérgio Melo nos propôs de lançarmos o livro na Sala da Conquista, ele imediatamente passou a trabalhar com esta proposta.! - afirma a professora.
Cyro Lins Sérgio Melo e Shirley Penaforte |
A presença das mulheres Tembé-Tenetehara foi marcante durante o lançamento. O protagonismo destas mulheres também mereceu um capítulo especial do livro.
Kudã'í e Brasilice |
Este livro aqui é coisa séria! É a nossa história! Agora nós vamos poder usar o livro na escola e mostrar o que é ser um índio! Eu sou índia com muito orgulho! Eu não tenho vergonha! Este livro vai mostrar para os que vão nascer depois o que é ser um índio! - Brasilice, cacique da aldeia Suassuna.
Depois da mesa, os Tembé realizaram uma dança tradicional para celebrar o lançamento do livro em Belém, desde junho de 2015, quando o livro foi lançado nas aldeias, eles aguardavem por este momento.
O contato com o outro, a pesquisa e
a extensão - A obra é resultado de um movimento para
a valorização do patrimônio cultural, liderado pelo Iphan, por meio de um Termo
de Cooperação Técnica, e tomou forma a partir dos projetos de pesquisa
coordenados pela professora Ivânia Neves na Universidade Federal do Pará
(UFPA). “Patrimônio Cultural Tembé-Tenetehara” e “Astronomia Tenetehara:
pluralizando verdades sobre o céu” são projetos que, em uma perspectiva
interdisciplinar, reúnem pesquisadores de Letras, Comunicação e Antropologia.
São
pesquisadores em nível de doutorado, mestrado e graduação que comungam do
interesse por pensar as dinâmicas sociais e culturais que têm lugar entre as
sociedades amazônicas. Fizeram parte da equipe o doutorando Maurício Corrêa, os
mestrandos Nassif Jordy e Otoniel Oliveira e os graduandos Josué Oliveira e
Cristiane de Oliveira, todos membros do Grupo de Estudos Mediações, Discurso e
Sociedades Amazônicas (GEDAI), coordenado pela professora Ivânia.
O
pesquisador Otoniel Oliveira, que participou de oficinas em que os Tembé
produziram quadrinhos sobre sua própria história, fala da importância de se
tornar acessível o que se ouviu em campo.
“O que é legal é a construção desta materialidade, parte do conteúdo
oral pode ser transferido para um livro. É a fala deles, é um livro dos
Tembé-Tenetehara”, avalia. O processo tinha como objetivo possibilitar que os
próprio indígenas contassem sua história, participando de forma direta na
construção do livro.
Já
para o graduando em Letras Josué Oliveira, o processo de pesquisa foi muito
rico, pois possibilitou conhecer a diversidade cultural que existe na região
Amazônica e também levou ao autoconhecimento. “Eu fiquei com a missão de
transcrever as narrativas orais Tembé e nesse processo já pude notar quão
plurais são as sociedades amazônicas e suas histórias. Depois, com a visita à
aldeia, pude colocar em questão meus próprios valores e perspectivas sobre o
mundo”, conta.
Cristiane
de Oliveira, também graduanda em Letras na UFPA, salienta o caráter ético da
pesquisa e o compromisso de levar a materialidade constituída na interação com
os indígenas de volta a eles. “É muito importante frisar que esse livro não
representa somente um ‘mapeamento’ de uma cultura Indígena. O livro resulta do
que é muito encontrado na teoria, mas pouco vivenciado na prática: a extensão.
Ainda há, na maioria das pesquisas, uma monopolização do conhecimento entre os
muros que cercam as instituições de ensino. O livro traz o caráter ético da
pesquisa, que seria o resultado de tudo voltando àqueles que foram seus
sujeitos e principais sonhadores: os indígenas.”
A
graduanda aponta ainda a importância da problematizar a relação entre
pesquisadores e pesquisados: “Nós, enquanto pesquisadores, não criamos nada
sozinhos. O nosso trabalho foi o de materializar, junto com os
Tembém-Tenetehara, o que já era uma história vivida. Acredito que a experiência
vai me tornar uma profissional muito mais preparada para exercer a minha
formação com um olhar mais humano e sensível.”
O
lançamento de “Patrimônio Cultural Tembé-Tenehara” integrou a Semana do
Patrimônio Paraense 2015, realizada pela Associação dos Agentes de Patrimônio
da Amazônia (ASAPAM), em parceria com o Iphan, o Ministério da Cultura, o MEP e
a Associação dos Amigos dos Arquivos Públicos do Estado do Para (ARQPEP).
https://casadopatrimoniopa.wordpress.com/2015/09/10/patrimonio-cultural-tembe-tenetehara/
Texto: Camille Nascimento e Dilermando Gadelha
Texto: Camille Nascimento e Dilermando Gadelha
Fotos: Nathália Cohén
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