Gedai encerra 2020 com novas contribuições para a produção científica na Amazônia

 Por Yorranna Oliveira


Duas pesquisas do Grupo Gedai foram concluídas e apresentadas à comunidade acadêmica neste conturbado ano de 2020: a dissertação de Priscilla Brito Cosme e a tese de Raimundo Tocantins. Dois trabalhos que atravessaram os dilemas e os desafios de uma pandemia e o complexo contexto sociopolítico brasileiro. E mais: em tempos de negacionismo, de desmonte da educação e da ciência, encerrar um ciclo de pesquisa é um compromisso ético de resistência e esperança. 

O trabalho da Priscilla Cosme “Entre a cultura popular e a arte urbana: a cidade de São Caetano de Odivelas – Pará nos murais contemporâneos de And Santos e Adriano DK” traz reflexões sobre como cidade e sujeitos são historicamente construídos, com memórias fraturadas que visibilizam ou silenciam discursos. A pesquisa toma a cidade como espaço interativo e comunicativo que expressa a relação dos sujeitos com esse território. Assim, Cosme analisa os murais produzidos pelos artistas And Santos e Adriano DK para compreender como essas obras traduzem o espaço urbano, interagem com os moradores da cidade e visibilizam a diversidade étnica de São Caetano de Odivelas, município localizado no nordeste paraense e famoso pela expressão cultural do Boi de Máscaras e pela extração de caranguejo e ostra. 

Na investigação, Priscilla Cosme identificou uma forma classificada como etnomural, “expressão pautada no cotidiano do odivelense, na poesia singular, no sentimento do morador às margens do rio Mojuim revelada em ritmos, sons e cultura popular, o olhar do mangue e da pesca, do brincar no cortejo do Boi de Máscaras materializadas nos muros da urbe”, explica a autora. Soma-se ainda a noção de odivelismo, proposta por And Santos para expressar “os valores sociais e culturais de São Caetano de Odivelas”.

Pautadas nas discussões teórico-metodológicas de cidade comunicativa e polifônica de Lucrécia Ferrara e Canevacci, a dissertação também perpassa pelos estudos de Foucault a respeito dos saberes sujeitados, pela definição de mural contemporâneo de Gitahy e pela abordagem antropológica do graffiti por Campos.

A pesquisa de Priscilla Cosme nos instiga a pensar a arte urbana fora dos grandes centros e das megalópoles, que pode ser encontrada em cidades para além desses circuitos, como é o caso de São Caetano e a singularidade de seus murais em íntima relação com a cultura do Boi de Máscaras. “Interessante notar que uma cidade com menos de 20 mil habitantes possui um cenário repleto de murais extensivos. Nesse sentido, consideramos uma desconstrução, além do processo de reelaboração com o toque do contemporâneo, com estudos, conceitos e linguagens construídos pelos artistas locais”, conclui a pesquisadora.  

Mulheres indígenas na web


Esta é a segunda tese gestada a partir das reflexões do Gedai. As discussões feitas por Raimundo Tocantins no período de quatro anos estão reunidas agora no trabalho “Mulheres indígenas em redes: cosmologias, singularidades históricas, resistências e conhecimentos em elaborações ativistas”.  Reunindo a arquegenealogia foucaultiana e os estudos decoloniais, a pesquisa investiga as produções discursivas de mulheres indígenas na web, analisando as escritas de si que essas sujeitas empreendem nas redes. Tocantins apresenta nessa importante produção teórica como essas mulheres narram suas histórias, elaboram suas subjetividades e resistem por meio de seu ativismo na web. 

“Observar as mulheres indígenas em suas ‘escritas de si’ e escrever sobre elas tem se constituído para mim em uma prática de reinvenção, um modo de ser que procura na descolonização do pensamento a sua compreensão. Essas produções invadem espaços canônicos e nos contam outras histórias em sonoridades, poesia e visualidades que compreendemos como poéticas das margens e que provocam, atualmente, os muros limitadores de uma colonialidade estética”, apresenta Raimundo Tocantins na introdução da tese. 

O protagonismo das mulheres indígenas da pesquisa se relaciona com a atuação política das sujeitas e também localizam o papel principal que desenvolvem em “narrativizar” suas histórias. Nas reflexões de Tocantins, pensar esse protagonismo é pensar com Foucault sobre a noção de cuidado de si. “Os enunciados falam de mulheres e suas práticas de si para olhar os próprios corpos”, pontua o pesquisador. Em Foucault, esse exercício de si se dá sobre si mesmo, “através do qual se procura se elaborar, se transformar e atingir um certo modo de ser”. 

Os discursos dessas sujeitas fraturam as verdades produzidas pelo dispositivo colonial, que elegeu o colonizador como narrador autorizado a contar as histórias locais, a partir de perspectivas eurocentradas. Os saberes se insurgem e são o ponto de partida para essas narrativas, pois visibilizam e elaboram a história do presente. “Nos fazem ver que não nascemos sujeitos ou sujeitas e sim nos tornamos. Esse tornar-se também pode estar inscrito a partir das múltiplas narrativas que refletem o cuidado de si em práticas de liberdade”. 

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