Pandemia e a política da morte
Para Ivânia, a pandemia do novo coronavírus acentuou as diferenças de atuação do dispositivo colonial nas regiões brasileiras, como na trajetória da Amazônia integrada ao país como uma eterna colônia do Sudeste, explorada em seus recursos e sem retornos para a população das cidades, evidenciada numa infraestrutura em colapso para atender os afetos pelo Covid-19. O contexto de saúde atualiza o dispositivo colonial sobre os corpos indígenas, manifestada na política da morte, que circunscreve a noção de necropolítica enquanto prática de decisão entre quais vidas importam e quais merecem morrer. “É como se a gente estivesse assistindo a chegada dos primeiros europeus, trazendo os seus vírus e contaminando as populações indígenas. Não tem como não pensar isso, como que se reatualiza essa coisa da necropolítica mesmo, dessa falta de proteção à vida. Não dá pra não dizer que o que o governo Bolsonaro não está fazendo uma política de morte em relação a indígenas, em relação a qualquer população brasileira mais carente. E não só mais carente. É uma política de morte a todo mundo que fez oposição a isso que ele coloca como um discurso de ser patriota no Brasil”, afirma a pesquisadora.
Na Amazônia, essas questões são potencializadas pela diversidade étnica das populações, em sua maioria não branca, de origem indígena e africana, cuja relação com a natureza se dá na contramão do modelo predatório do neoliberalismo e seu discurso de progresso, onde a floresta atrapalha e deve ser explorada. As políticas públicas para essas populações operam na perspectiva do dispositivo colonial e sua vinculação com a necropolítica. Termo que ganhou os holofotes do público e colocou em evidência a morte e o ódio como políticas, reforçadas pelos legados do processo de colonização na Amazônia brasileira.
Na análise da Flávia Lisbôa, docente da Universidade Federal Rural da Amazônia e doutora em Letras/Linguística pela UFPA, perceber os discursos e as práticas sobre essas populações pela perspectiva dos efeitos da colonização deixa em evidencia as verdades e crenças que foram deixadas como herança para a nossa atualidade, onde essas vidas não consideradas sem valor. “Os governos se sentem muito à vontade em distribuir esses recursos sempre desprestigiando esses povos, como um projeto racista mesmo, um projeto de diminuição desses sujeitos que foram racializados. Pessoas que não despertam a sensibilidade da sociedade, porque são pessoas que foram desumanizadas pelo processo de colonização. A omissão não é a falta de política, ela é a própria política da negação dos serviços públicos, dos acessos às pessoas que são racializadas, que não têm valor na sociedade”, acredita Lisbôa.
Resistências, enfrentamentos e o afeto que nos move
Respostas a essas urgências de enfrentamento à morte e ao ódio são solicitadas a todo momento e reforçam a necessidade de não partirem de única via, de um único do modo de existir. O afeto é uma possibilidade resistir para Ivânia Neves, como força que nos move para transformações e mudanças.
Flávia Lisbôa concorda com essa perspectiva e pontua as manifestações de solidariedade como ação. “E é uma solidariedade muito interessante, porque não é cristã, de que eu vou ajudar o próximo por uma motivação religiosa, para ganhar meu galardão no céu. É uma solidariedade extremamente politizada, de você ver que o outro está passando por necessidade, de que não têm sabão para lavar as mãos, de você vê a criação de redes de solidariedade nas comunidades. São exemplos de resistência, de enfrentar a pobreza, condições adversas para se precaver da contaminação. Essas manifestações em forma de redes de solidariedade, de auto-gerência diante da total omissão do governo federal são formas explícitas de resistência à principal política desse governo que é o ódio”.
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REFERÊNCIA DO VÍDEO
O
DISPOSITIVO COLONIAL E A NECROPOLÍTICA NA AMAZÔNIA. GEDAI-UFPA apresentado por Maurício
Neves... [et al.]. 2020. 1 vídeo (55min 45seg). Publicado pelo canal GRUPO
GEDAI. Disponível em: https://www.yutube.com/watch?v=DTtdjaWMSzg&list=PLQrDCYuf1jiYaZBCVLiMGXuU_UXDjhsr7&index=2&t=0s. Acesso em: 25 de agosto.
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